quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ao fundo do poço pelo crack, por Archimedes Marques

*Archimedes Marques

Não há outra droga que produza um declínio físico e mental maior para o seu usuário quanto o crack. O poder sobrenatural do crack é simplesmente horripilante e avassalador. Crack e desgraça são indissociáveis e quase palavras sinônimas. Relatos dos seus usuários e familiares, fatos policias diários e opiniões de especialistas sobre os efeitos e as conseqüências nefastas da droga podem ser resumidos em três palavras tão básicas quanto contundentes: sofrimento, degradação e morte.

As ocorrências no terreno familiar, social e criminal vão caminhando sempre em largas vertentes para dias piores. A vida vivida pelos envolvidos com o vício do crack parece sempre transpor os inimagináveis pesadelos.

Lançando um olhar no passado, o viciado, vê o rumo errado que tomou, mas dificilmente tem força de voltar atrás. Olhando ao futuro somente se lhe afigura a tumba, no entanto continua caminhando em sua direção. O seu presente é só o crack e, esse mal passa a ser o senhor do seu viver, o seu real transformador do bem para o mal, o destruidor da sua família, o aniquilador do seu bem maior.

O crack trás a morte em vida do seu usuário, arruína a vida dos seus familiares e vai deixando rastros de lágrimas, sangue e crimes de toda espécie na sua trajetória maligna.

O Brasil assistiu recentemente com imensa tristeza e pesar uma reportagem televisiva em que crianças recém nascidas de mães viciadas em crack, são também barbaramente atingidas pelos efeitos nefastos da droga. Nascem como se viciadas fossem, com crises de abstinências, com compulsão à droga, tremores, calafrios e com problemas físicos diversos, principalmente com lesões no cérebro que provavelmente os levarão às demências ou a outros tipos de problemas inerentes, ou seja, uma nova geração de vítimas do crack sem sequer ter consumido a droga por vontade própria. A maioria das mães drogadas também perde o instinto materno e termina doando os seus filhos debilitados.

A dimensão da tragédia do crack é difundida nos diversos Estados da Nação através de reportagens jornalísticas que comprovam o retrato devastador em todos os lugares possíveis e imagináveis aonde chegou o filho mortal da cocaína. O crack invadiu grandes e pequenas cidades, periferias e lugares de baixa a alta classe social, municípios, povoados, zona rural...

Não bastassem os tristes casos sociais, casos de saúde e os casos criminais diversos envolvendo essa droga avassaladora vividos por uma grande parcela da população brasileira, agora apareceu mais um melancólico caso. Um deprimente e desolador caso em que a mãe trocou a virgindade da sua própria filha de pouco mais de 10 anos de idade por algumas pedras de crack. Entregou a sua filhinha para uma monstruosidade sem precedência. Entregou a inocência de uma criança para um estuprador macabro, desalmado e cruel que também era um traficante de crack. O símbolo do amor puro que está no amor de mãe se rendeu ao poderoso crack.

Uma mãe viciada, na histórica cidade de São Cristovão, primeira capital do pequeno, mas bonito e aprazível Estado de Sergipe acabou por ceder a inocência da sua própria filha, uma garotinha que migrava dos 10 para os 11 anos de idade para um desumano estuprador-traficante de drogas no sentido de que o mesmo saciasse a sua frieza sexual animalesca, em troca de algumas pedras de crack.

O crack agora é capaz também de transpor, de matar o amor de mãe, que é o mais precioso, o mais profundo, o mais verdadeiro, o mais ardoroso, o mais fervoroso amor que pode existir.

Este impulso sentimental que é o mais sublime dos amores foi superado pela força sobrenatural do crack e, ao invés de confortar, destruiu, degradou, sobretudo desvirtuou o sentido real do amor que aquela mãe tinha pela sua filha. O amor de mãe que não tem ganância, não tem egoísmo, não tem orgulho, não tem o sentido de posse, não tem o princípio de fomentar a maldade e a ignorância do bem, que busca a simplicidade, a humildade e abnegação acima de todas as coisas da matéria foi de tudo ultrajado pelo crack.

É realmente uma triste, trágica e inconcebível realidade ocorrida naquele município que contrasta com o seu povo pacato e ordeiro. É o fundo do poço pelo crack...

*Archimedes Marques - Delegado de Polícia no Estado de Sergipe.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A pobreza existe

A pobreza existe e envergonha desenvergonhados políticos, por isso muito se faz para que seja reduzida a uma expressão menor. Os reformados com pensões de miséria, os desempregados de longa duração, os jovens que lutam pelo primeiro emprego, os deficientes, são o rosto da pobreza que cresce a ritmo assustador.

A vida hoje é uma autoestrada em que temos pouco tempo para sair dela e olharmos o mundo da pobreza. A vida moderna, os desafios materialitsas que se apresentam aos jovens empregados sobre a ilusão da perfeição profissional, levam-nos a não olhar para o próximo que sofre. Não fosse este o estigma da nova sociedade, deixariamos essa auto-estrada e, como o disse o Papa Bento XVI no encontro com as organizações da Pastoral Social a que tive a oportunidade de assistir, voltaríamos para a prática da compaixão, voltada para os pobres, os doentes, os presos, os sós e desamparados, as pessoas com deficiência, as crianças e os idosos, os imigrantes, os desempregados e os sujeitos a carências que lhes pertubam a dignidade de pessoas livres“.

O distrito de Setúbal é marcado por sinais de profunda pobreza que se agrava nos últimos 20 anos e mais fortemente no decénio que agora acaba. Não falo da pobreza medida pelas estatísticas forjadas por governos irresponsáveis. Vivemos um país em que as medidas anti-crise têm sido paliativos para agravar as desigualdades sociais. Ao slogan da esquerda revolucionária de que os ricos que paguem a crise“, esquerda em agonia, responde hoje o governo socialista com um conjunto de medidas em que alteram o slogan para os pobres que paguem a crise“, tudo porque assim se combate o benefício fiscal concedido à Coca-Cola. Por vezes o silêncio é de ouro e o Primeiro-ministro muito teria a ganhar se alterasse a sua arrogância.

A ajuda aos excluídos restringe-se às instituições de solidariedade social, IPSS, Misericórdias, Mutualidades, ao mecenato social, que começa a ficar cansado por se cada vez mais difícil dar, conjunto de actividades sociais que surgem na literatura económica de 1830 designadas como economia social e, mais recentemente, em 1979 a que J. Delors chama terceiro sector, mas a que eu prefiro chamar sector solidário. Em Portugal temos cerca de 5.000 instituições solidárias e no distrito cerca de 200, "impelidas a buscar soluções para os pedidos numerosos e prementes de ajuda e amparo que nos dirigem os pobres e marginalizados da sociedade“, utilizando as palavras Bento XVI, porque elas exprimiram a realidade que se vive em Portugal e ditas com frontalidade para os políticos ouvirem, se não continuarem a fazer “ olheras de mouco “, como se diz na minha terra natal.

A sociedade perdeu o sentido de humanização, da prática da caridade, referindo-se mesmo com malidicência aos milhares de voluntários que dão do seu tempo vida às instituições da rede solidária como líderes servidores. O Papa deixou uma mensagem a todas as instituições sociais e à sociedade para que “tomados pela compaixão pelas multidões que pedem justiça e solidariedade, esforcemo-nos por dar respostas concretas e generosas“. A multidão que pede justiça e solidariedade, comer para cada refeição, respeito pela sua dignidade humana, é a multidão que não vimos daquela auto-estrada da vida a que me referi em expressão figurativa.

A pobreza existe mas a pressão exercida pela comunicação política constrói na sociedade ideias de avaliação negativa. Não vou negar que há pobres que tomam o pequeno-almoço num café e a maioria dos trabalhadores remediados o preparam em casa por razões de economia familiar. Não vou negar que as situações de subsídio-dependência permite a muitos pobres andar anos e anos sem trabalhar quando a maioria da população percorre quilómetros para chegar ao seu emprego. Não vou negar que no R.S.I. existem injustiças e oportunismos. Não vou negar que os responsáveis pela situação não são os pobres mas políticos sem noção do que é gerir e servir um país.

Se é necessário alterar o caminho que percorremos para ir de encontro aos pobres, Bento XVI desafia as instituições sociais para “seja clara a sua orientação de modo a assumirem uma identidade bem patente: na inspiração dos seus objectivos, na escolha dois seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios“. E continua o seu pensamento dizendo que “além da identidade e unida a ela, é conceder à actividade caritativa autonomia e independência da politica e das ideologias, ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns“. O conceito de subsidariedade mas independência é a forma das instituições sociais estarem com a pobreza, porque esta existe. E se existe!

Livro "A África responde a Sarkozy" é apresentado em Luanda


Luanda - O livro intitulado “A África responde a Sarkozy”, de 22 autores africanos, foi apresentado hoje, em Luanda, numa cerimónia ocorrida à margem do ciclo de conferências promovido pelo Ministério da Cultura no âmbito das celebrações do Dia de África, a assinalar-se a 25 deste mês.

O acto de apresentação do livro em Angola contou com a presença de um dos seus autores, o economista senegalês Demba Moussa Dembélé.

Demba Moussa Dembélé, que se encontra em Angola a propósito das celebrações do Dia de África, fez saber que o teor do livro serve para responder ao presidente francês Nicolas Sarkozy, que no seu discurso proferido na Universidade Cheikh Anta Diop, no Senegal, a três anos, apresentou uma imagem negativa de África.

A resposta, idealizada pelo ex-ministro da Cu

ltura senegalês, Makhily Gassama, teve grande impacto em alguns países africanos e na Europa, tendo em conta que especialistas de várias áreas do saber juntaram-se para responder o presidente francês.

“O livro motivou várias conferências e debates, principalmente em França, o que levou a encontros de intelectuais franceses como os conselheiros do próprio presidente francês”, disse.

Há a necessidade de unir África, defendeu, voltando aos ideais de Nkwame Nkrumah, e para que não se ocidentalize o continente deve-se manter a união de modos a que em conjunto se possa solucionar os principais problemas.

Por seu turno o director do Instituto Nacional das Industrias Culturais (INIC), António Fonseca, disse que o livro trás 22 posicionamentos de intelectuais africanos, entre escritores, historiadores, economistas que responderam um discurso proferido há três anos.

Face ao seu posicionamento sobre o continente africano, acrescentou António Fonseca, estes intelectuais decidiram dar voz a discordância com o ponto de vista do presidente francês, daí que estes trazem uma visão contemporânea de África, contrariando as responsabilidades que são imputadas aos africanos sobre o tráfico negreiro, a pobreza, entre outros assuntos.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

FAO lamenta não ter visto 1 centavo do prometido à fome no G8


Roma, 18 fev (EFE).- A Organização das Nações Unidas para Agricultura e a Alimentação (FAO) lamentou nesta quinta-feira não ter visto ainda "nem um centavo" dos US$ 20 bilhões que os líderes mundiais prometeram para a luta contra a fome na cúpula do Grupo dos Oito (G8, os países mais ricos do mundo) em julho em L'Aquila, na Itália.

O diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, fez o anúncio nesta quinta aos Governos dos países participantes da cúpula para acelerar a luta contra a fome, um mal que destaca em seu último relatório, "O estado mundial da agricultura e a alimentação", centrando-se na criação de gado.

Nesta quinta-feira, o texto foi apresentado na sede da FAO em Roma, abordando a situação atual da pecuária no mundo e reúne as exigências "urgentes" que esta precisa, questões relacionadas com a fome e a falta da ajuda prometidas pelos líderes mundiais que Diouf referiu em três ocasiões durante a apresentação.

"Nós não vimos nem um centavo. Isto não significa que os fundos não tenham terminado em outro lado. Será preciso tempo para que este compromisso se traduza em realidade", comentou o diretor-geral da FAO.

Segundo Diouf, tempo é um bem necessário para solucionar o problema da fome no mundo, pois existem riscos de uma nova crise alimentícia como a de 2007 e 2008, e, por enquanto, já passou quase o primeiro ano desses três nos quais os participantes do G8 em L'Aquila se comprometeram a doar os US$ 20 bilhões.

"Queremos disparar um sinal de alarme sobre a situação para acelerar o processo, para que os fundos cheguem aos países e regiões necessitadas, através de vários canais", comentou o principal responsável pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação.

"Em 2007 e 2008 houve uma crise alimentícia. Desde então, ocorreram muitas coisas, sobretudo a crise econômica e alguns problemas políticos. E isto levou os líderes a esquecerem esses problemas", acrescentou.

A FAO, que em novembro realizou uma cúpula mundial que encerrou sem novos compromissos econômicos, considera "substancial" que parte desses fundos da luta contra a fome - 1 bilhão passa fome no mundo - chegue aos agricultores e criadores de gado.

"Nossos estudos para atender a demanda de uma população em crescimento indicam que será necessário aumentar a produção e isto não pode ser feito sem investimentos", apontou Diouf, quem exigiu dos Governos que atuem em breve e materializem os compromissos na luta contra a fome.

Em seu relatório anual "O estado mundial da agricultura e alimentação" de 2009, a FAO pede investimentos urgentes, esforços em pesquisa e Governos sólidos para garantir que a pecuária possa responder ao crescimento da demanda que deve superar os 9 bilhões de pessoas em 2050.

Neste sentido, Diouf pediu hoje "reformas políticas sábias" para contribuir à erradicação da fome e a pobreza através da pecuária, que representa 40% do valor da produção agrícola.

De acordo com a Fao, o aumento dos ingressos, o crescimento demográfico e a urbanização são as "forças motrizes" que estão por trás da crescente demanda de carne nos países em desenvolvimento.

Para satisfazer esse aumento na demanda, é necessário que a produção mundial passe dos 228 milhões de toneladas de carne atuais para as 463 milhões em 2050, com um aumento estimado do rebanho bovino de 1,5 bilhão para 2,6 bilhões de cabeças de gado e de 1,7 bilhão para 2,7 bilhões no número de cabras e ovelhas.

A FAO quer com seu relatório de 2009 fazer um chamado às autoridades mundiais para que ofereçam um maior apoio aos pequenos agricultores e criadores de gado.

Outro assunto abordado pela organização dirigida por Diouf no texto é a questão das doenças animais, que podem acarretar riscos econômicos e perigos à saúde do homem, o que pode agravar a situação dos mais pobres do mundo.