Toda cidade que possui bolsões de pobreza está vulnerável à exploração sexual. A afirmação é da integrante do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual, Elisabeth Gomes. Ela revela o quanto esta modalidade de violência é suscetível no Brasil. "A exploração se alimenta a partir da pobreza, desigualdade social e impunidade."
Os aliciadores conhecem esta carência, por isso se aproximam ao oferecer alimentos, brinquedos, favores como cortes de cabelo e até dinheiro. "Geralmente são conhecidos pelas crianças como pessoas legais", define o coordenador do Projeto Meninos e Meninas de Rua de Diadema, José Maria Oliveira Viana.
No caso das adolescentes, seus próprios sonhos tornam-se uma armadilha. "As garotas sonham em namorar, casar e ir embora para ter uma vida melhor. O príncipe encantado está lá em cada programa", diz o médico ginecologista Téo Lerner ao se referir principalmente ao turismo sexual no Nordeste.
Outro fator está relacionado às vítimas de exploração sexual: a maioria tem histórico de abuso intrafamiliar e tiveram processos traumáticos relacionados à sexualidade, o que colabora para a banalização das relações.
Uma das maneiras de prevenir o problema apontada por especialistas é, além de implementar políticas públicas de fortalecimento às famílias, investir em programas de educação social nas escolas. "Não dá para educar uma criança negando seu desenvolvimento sexual. Elas têm o direito de entender a sexualidade", diz Elisabeth Gomes.
Juiz da Vara da Infância e Juventude de São Caetano, Eduardo Rezende Melo, reforça que muitas vezes as escolas abordam a educação sexual com viés biológico, o que não supre totalmente a carência de informações.
Pais biológicos são principais agressores
Os principais agressores de crianças e adolescentes atendidos pelo Crami (Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância do ABCD) no ano passado foram os pais biológicos. A instituição fez 744 atendimentos entre vítimas e agressores nas três cidades parceiras: São Bernardo, Diadema e Santo André.
O abuso sexual foi a segunda causa (31%) da procura. Em São Bernardo foram 111 atendimentos, 80 em Diadema e 44 em Santo André. As maiores vítimas são as meninas (67%) entre 2 e 12 anos.
A professora de Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC e coordenadora do Pavas (Programa de Atenção à Violência e Abuso Sexual) de São Bernardo, Maria Auxiliadora Vertamatti, conta que 70% dos abusadores das crianças que são atendidas pelo programa são pais e padrastos. "Na maior parte das vezes a mãe sabe, mas nem sempre de modo consciente. É como se ela desenvolvesse um mecanismo de defesa para não aceitar uma nova perda de construção familiar, ela também é vítima de alguma forma." Maria Auxiliadora diz que os casos de violência praticados por desconhecidos aparecem em menos de 72h, o que possibilita a prevenção de gravidez e doenças por meio de medicamentos.
Quanto maior o vínculo emocional da vítima com o abusador, menores são as chances de os casos serem revelados. É comum eles aparecerem depois de anos, ou numa situação de briga ou conflito entre o casal. É por isso que especialistas costumam classificar as denúncias (veja números acima do Disque 100 na região) como a ponta do iceberg do problema.
"É uma questão que sempre vai existir porque envolve doenças mentais, desvios de comportamentos e questões culturais. Traz cicatrizes muito profundas às vítimas. O tratamento é para minimizar as sequelas na vida social e escolar", afirma Maria Auxiliadora.
Prefeituras oferecem serviços e tratamentos
O assessor técnico do Programa Nacional de Enfrentamento Sexual da Criança e do Adolescente vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Fernando Luz Carvalho, lembra que mais do que ter um importante canal de denúncia, como o Disque 100, é preciso uma retaguarda para o tratamento das vítimas. "Os danos sofridos devem ser minimamente reparados."
Em Santo André, a Secretaria de Inclusão Social, por meio do Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) faz o atendimento. A identificação se dá a partir de denúncias ao Conselho Tutelar, em abordagem de rua por equipe de educadores, nas delegacias, representações no Ministério Público e Rede de Atendimento do Município. A partir do conhecimento da situação, o Creas acompanha o caso, colocando em prática todos os recursos necessários para ajudar tanto a criança quanto sua família a superarem a condição de risco.
Em São Bernardo, existe uma rede de serviços de proteção especial e socioeducativa a crianças e adolescentes que têm como porta de entrada o Espaço Andança. O projeto atende crianças e adolescentes em situação de rua ou trânsito, visando a erradicação do trabalho infantil e o restabelecimento de vínculos afetivos.
A indicação de atendimento para crianças vítimas de violência sexual em Diadema é feita por meio do Crami (Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância), que oferece acompanhamento psicológico também aos familiares. A Ravis também dá suporte para vítimas infantis. O encaminhamento deve ser feito pelo hospital municipal ou pronto-socorro.
A Prefeitura de São Caetano informou que o programa Renascer atende vítimas de violência sexual e doméstica, oferecendo atendimentos de hebiatra, psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional e assistente social.
As prefeituras de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não informaram os serviços que oferecem. (Kelly Zucatelli)
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